segunda-feira, 14 de abril de 2008

Prós e Contras: Uniformidade Linguística

A respeito do último debate televisivo "Prós e Contras", focando o recém-assinado acordo ortográfico "normativo" da língua portuguesa, tenho a confessar que fiquei profundamente desiludido com a maneira como este foi conduzido.

1. Porque razão foram escolhidos da parte da plateia apenas dois elementos contra o acordo ortográfico? Todas as restantes intervenções (pelo menos 7) foram todas a favor do acordo, dando a ideia errada de um apoio incondicional ao acordo.

2. Um facto ressaltou que foi aceite por ambos os lados: o acordo ortográfico tem uma razão de ser exclusivamente política. Ficou assim por entender quais são exactamente essas vantagens políticas deste acordo! Ficou-se por debater razões literárias, linguísticas, estados de alma, facilidades de aprendizagem, quando afinal todos concordavam que era só política. Então porque não discutir política?

Ademais que qualquer um dos países envolvidos sobreviveu politicamente até agora sem qualquer acordo. Não compreendo... (expliquem-me)

3. A noção de acordo presume um entendimento, uma cedência bipartida entre duas partes em oposição. Não compreendo então porque não vi ainda um único exemplo no acordo ortográfico em que a variante portuguesa prevaleça sobre a variante brasileira. Porque temos de ser apenas nós a ceder? (contradigam-me)

4. Detestei a atitude arrogante do Reitor Carlos Reis face às opiniões fundamentadas dos outros participantes no debate. Não entendo porque continuam a deixar estas personalidades dominarem um debate com comentários jocosos, ainda para mais fundamentando-se no senso-comum para rebater pessoas que dedicam toda uma vida ao estudo de uma área.

É como se agora todo o peso do senso-comum de milhões de pessoas fosse suplantar estudos científicos cuidados! Onde estaríamos nós se fossem os milhões de pessoas do mundo a ditar aos cientistas o que é certo com base no seu senso-comum...

5. Não se entende a legitimidade do acordo na medida em que: ficou claro que não foi validado por peritos linguistas; todos também sabemos que não fomos consultados publicamente em relação a isto; ao ver Carlos Reis a decidir por todos nós (em toda a sua grandeza intelectual), confesso que fico preocupado...

6. A língua não é de facto uma entidade estática, mas isso é diferente de ser uma entidade imposta. A língua pertence à comunidade que a usa e a evolui diariamente. Não é propriedade de meia-dúzia de "iluminados" que decretam ao povo como agora vai passar a comunicar. E mais, que pretendem conhecer, sem estudar, o que é melhor para este último.

7. A ortografia não é uma transliteração da fonética. Este é um dos argumentos técnicos mais valiosos e que mais foi ignorado na argumentação a favor do acordo. É impressionante a ilusão que as pessoas têm de que as "simplificações" facilitam a aprendizagem ou o uso, quer das crianças, quer das pessoas adultas analfabetas só porque "se escreve como se diz".

Aliás, se fosse por aí, se a regra fosse essa, precisaríamos de acordos e revisões periódicas constantes, pois é conhecido que a língua falada evolui e se modifica muito mais rapidamente que a sua representação escrita.

P.S.: Resposta às dúvidas do linguista do senso-comum Carlos Reis: Porque é que dizemos invasão com á aberto? Porque é a penúltima sílaba. Porque é que dizemos rectângulo com é aberto? Porque está lá o "c". Da mesma maneira que Baptismo tem o á aberto por causa do "p".